Mas há algo mais ali. Ninguém quer fotografar. Muitos não
veem. A maioria prefere não ver. Ao menos duas coisas se perderam em meio ao
glamour e beleza do lugar. Todos os que deixam seus carros nas proximidades são
obrigados a passar em frente ao Palácio 9 de Julho, sede da Assembleia Legislativa
de São Paulo. O longo passeio que leva os pedestres até o ponto brilhante é
abruptamente interrompido por um acampamento ali existente. Os mais descuidados
acabam por descobrir-se lá dentro e têm de voltar. Manifestantes estão
acampados em frente ao Palácio para relembrar da manjedoura. Sei que não existe
a forma certa de fazer a coisa errada, mas talvez ali esteja um bom exemplo de
como fazer a coisa certa de maneira errada. Algumas poucas crianças que ainda
não foram completamente alienadas perguntam aos pais o que é aquilo, o que são
aquelas pessoas. O que? Quais? Quem? Seus pais haviam passado e não perceberam
a presença daqueles seres invisíveis que ali estavam. Alguns atravessam a rua
para que suas crianças não vejam aquilo que obstrui o caminho.
A revolta dessas pessoas apagadas é o custo de todo aquele
brilho. A estrela sob o palácio parece estar no lugar errado e muitos têm sido
conduzidos para lá, enganados em sua própria sabedoria. As pessoas que estão
ali procuraram um lugar para morar, ou mesmo para se hospedar por um tempo, mas
não encontraram, ninguém ofereceu a elas abrigo, por isso estão ali, cercadas
de animais. Enquanto todos festejam e se alegram, eles sequer são notados. Não
somente os turistas os ignoram, mas os de casa também os rejeitaram. Ali estão
eles como uma amostra dos milhares de seres invisíveis perdidos no meio da
multidão. Eles estão à margem literal, representando dezenas de centenas de
marginalizados emocionais. Crianças e velhos, homens e mulheres, todos olhando
para a estrela errada. Seja à margem da sociedade ou à margem do rio cheio de
luzes e brilho, há muita gente vazia. Muita gente procurando no palácio quem
está na manjedoura e olhando na manjedoura à procura do Rei. Não estou tão
preocupado com o santo que patrocinou a árvore, mas me preocupa muito quando
ela é capaz de criar uma realidade paralela desviando a atenção do que
realmente importa para outras coisas unicamente por sua grandeza e glamour.
As pessoas ali esperam ansiosas pela visita de alguém que
seja guiado pela estrela certa ou que ouça a música correta, indicando o Motivo
de toda a festa. Esperam por alguém que não dê somente presentes àqueles que
podem retribuir à altura, mas àqueles que nada tem. Infelizmente, os melhores
presentes estão indo para o lugar errado. Um bebê chora ali acampado com fome.
Ninguém percebe. Ocupados com a festa de natal, todos ignoram a existência de
pessoas que não estão cercadas de luzes de vidro e presentes da China.
Como disse, ao menos duas coisas se perderam em meio ao
brilho e fama do lugar.
"sempre que o deixaste de fazer a um destes mais pequeninos, deixastes de o fazer a mim."
"sempre que o deixaste de fazer a um destes mais pequeninos, deixastes de o fazer a mim."
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