domingo, 22 de dezembro de 2013

A manjedoura no Palácio - Um Outro Olhar

Inaugurada há alguns dias, com seu brilho e tamanho colossal, durante os próximos dias ela continuará atraindo milhares de famílias e casais de namorados semanalmente. Com seus 58m de altura, supera mesmo o Cristo Redentor. Tradicionalmente São Paulo sedia essa gigante árvore de natal no Ibirapuera e torna-se ponto turístico. Para aqueles que querem mais do que uma foto, poucos metros dali encontram-se as belíssimas fontes iluminadas, onde água, luzes e música formam um clima e ambiente perfeito para casais de namorados – milhares deles – e famílias que ali ficam. Durante o show de luzes dá até para ver o rosto do bom velhinho, que faz questão de aparecer para lembrar todos porque estão ali.

Mas há algo mais ali. Ninguém quer fotografar. Muitos não veem. A maioria prefere não ver. Ao menos duas coisas se perderam em meio ao glamour e beleza do lugar. Todos os que deixam seus carros nas proximidades são obrigados a passar em frente ao Palácio 9 de Julho, sede da Assembleia Legislativa de São Paulo. O longo passeio que leva os pedestres até o ponto brilhante é abruptamente interrompido por um acampamento ali existente. Os mais descuidados acabam por descobrir-se lá dentro e têm de voltar. Manifestantes estão acampados em frente ao Palácio para relembrar da manjedoura. Sei que não existe a forma certa de fazer a coisa errada, mas talvez ali esteja um bom exemplo de como fazer a coisa certa de maneira errada. Algumas poucas crianças que ainda não foram completamente alienadas perguntam aos pais o que é aquilo, o que são aquelas pessoas. O que? Quais? Quem? Seus pais haviam passado e não perceberam a presença daqueles seres invisíveis que ali estavam. Alguns atravessam a rua para que suas crianças não vejam aquilo que obstrui o caminho.

A revolta dessas pessoas apagadas é o custo de todo aquele brilho. A estrela sob o palácio parece estar no lugar errado e muitos têm sido conduzidos para lá, enganados em sua própria sabedoria. As pessoas que estão ali procuraram um lugar para morar, ou mesmo para se hospedar por um tempo, mas não encontraram, ninguém ofereceu a elas abrigo, por isso estão ali, cercadas de animais. Enquanto todos festejam e se alegram, eles sequer são notados. Não somente os turistas os ignoram, mas os de casa também os rejeitaram. Ali estão eles como uma amostra dos milhares de seres invisíveis perdidos no meio da multidão. Eles estão à margem literal, representando dezenas de centenas de marginalizados emocionais. Crianças e velhos, homens e mulheres, todos olhando para a estrela errada. Seja à margem da sociedade ou à margem do rio cheio de luzes e brilho, há muita gente vazia. Muita gente procurando no palácio quem está na manjedoura e olhando na manjedoura à procura do Rei. Não estou tão preocupado com o santo que patrocinou a árvore, mas me preocupa muito quando ela é capaz de criar uma realidade paralela desviando a atenção do que realmente importa para outras coisas unicamente por sua grandeza e glamour.

As pessoas ali esperam ansiosas pela visita de alguém que seja guiado pela estrela certa ou que ouça a música correta, indicando o Motivo de toda a festa. Esperam por alguém que não dê somente presentes àqueles que podem retribuir à altura, mas àqueles que nada tem. Infelizmente, os melhores presentes estão indo para o lugar errado. Um bebê chora ali acampado com fome. Ninguém percebe. Ocupados com a festa de natal, todos ignoram a existência de pessoas que não estão cercadas de luzes de vidro e presentes da China.

Como disse, ao menos duas coisas se perderam em meio ao brilho e fama do lugar.


"sempre que o deixaste de fazer a um destes mais pequeninos, deixastes de o fazer a mim."

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